BLOGUE DA ESCOLA SANTA MÔNICA _ PELOTAS/RS

"Chega mais perto e contempla as palavras.

Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra.

E te pergunta, sem interesse pela resposta.


Pobre ou terrível, que lhes deves:

'Trouxeste a chave?' "

(Carlos Drummond de Andrade. Procura da poesia)

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

As condições de produção de um discurso: palavras iniciais

"As condições de produção dos discursos
Por Teresinha Brandão
Para atribuirmos sentidos a um texto (gênero textual/do discurso), necessário se faz nos reportarmos à sua exterioridade, ao contexto, às suas condições de produção. Só assim poderemos entender os gêneros como práticas sociais.

Muitas ambiguidades, ironias, informações implícitas, sentidos indiretos têm seu(s) sentido(s) ancorado(s) no contexto. Vejamos como isso procede com o gênero fotografia.

A foto acima, de Hugo Scotte, extraída do Álbum dos Caras Pintadas no Picassa , foi registrada em Porto Alegre, em 26/03/2009. A imprensa gaúcha e a nacional deram cobertura ao protesto de 30/03, que envolveu não só estudantes secundaristas e universitários, como também trabalhadores do RS.

Tal qual ocorrido durante o processo de impeachment do ex-presidente Collor de Mello, quando estudantes de todo o país pintaram seus rostos de verde e amarelo, simbolizando, por meio dessas cores, a bandeira nacional, e exigindo ética e transparência nas ações do governo da época, os “caras pintadas”, como ficaram conhecidos, foram às ruas exigindo não “Fora Collor”, mas “Fora Yeda”.

Outras pistas relativas ao contexto merecem destaque: além das imagens — rostos pintados (de quem e por quê?) com as cores da bandeira do Estado (azul, vermelho, verde e amarelo: qual simbologia?), bandeiras sul-rio-grandenses coladas nas roupas e/ou nas bocas dos jovens, a cor do cartaz em preto, sinalizando “luto’ (por que estão de luto?) —, os termos “Ella” (quem?), grafado com dois “ll”, assemelhando-se ao nome de Collor, e o enunciado “Estamos de volta” (quem está e por quê?) e “não pode continuar” (quem não pode e quem vai impedir?), uma referência ao conhecido enunciado, na época, “Fora, Collor!”— , fazem vir à tona, por intermédio da memória dos brasileiros, o episódio do passado, mas agora atualizado e contextualizado de uma outra forma.

É um novo enunciado, um novo fato (o pedido de impeachment de Yeda Crusius, uma nova “crise”, um novo “fora”, e uma nova autoridade, não mais a do presidente da República, mas a da governadora do RS).

No entanto, essas novas informações só emergiram porque estão apoiadas em um já-dito, agora, re(significado). Sem esses elementos extratextuais, relativos ao contexto de produção, como os sentidos possíveis aqui seriam construídos? Hãm...? Hum...?"
Na verdade, essas considerações reafirmam a ideia exposta no post Texto: elementos intra e extratextuais (aqui).
Publicado originalmente em Tear de Sentidos (aqui).

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